sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Minha educação foi basicamente militar. Meu pai é militar, minha mãe é simpatizante e durante quase toda a minha adolescência eu estive vestida de cáqui e boina vermelha (ou um variante qualquer disso). 
Isso significa que na minha infância meu pai colocava uma fita que tinha todos os hinos oficiais desse Brasil pra tocar, às três da tarde, enquanto a gente comia broa e pão-de-queijo. Significa que eu sei cantar algumas coisas esquisitíssimas como xo-po-ri-nê-pê-e-ri-ve e declamar, sem gaguejar, o Zum Zaravalho. Significa que eu também não sei muito bem o que fazer com as mãos quando um cara fardado e com cara de mau passa por mim e que quando estou fazendo alguma coisa meio errada, às vezes escuto zumbir na minha cabeça um "nome, número e turma, aluna!".
Cinco-meia-quatro era o que eu repetia basicamente todas as manhãs na inspeção da entrada. Uns três sargentos, sempre acompanhados por um major filho da puta formavam um corredor na entrada do colégio. Te olhavam de cima a baixo em busca de um defeito. Sapato mal engraxado, fivela do cinto descolorindo, meia com qualquer aleatoriedade não-branca, o nome que não estava na blusa, um esmalte mais chamativo, um brinco que ultrapassasse o lóbulo da orelha... qualquer coisa era motivo.
As reclamações vinham acompanhadas de uma cartinha, o famoso F.O., que te custava uma certa pontuação negativa na nota de comportamento. Você entrava na escola com 8. Podia chegar a 10 se levasse elogios suficientes (cada um valia +0,3) ou se ficasse determinado tempo sem levar nenhuma observação. Se chegasse a nota 3, era convidadíssimo a se retirar. E por isso é que era sempre bom seguir as regras. Era um lugar pra quem realmente queria estar ali.
Conheço gente que acha isso realmente inimaginável. Entrar no colégio às seis da madrugada pra ficar em posição de sentido ouvindo intermináveis discursos sobre o bom comportamento realmente não era a melhor coisa do mundo, mas o colégio militar nunca me roubou nada. A diferença é que ali a lei da ação-reação se fazia valer. Era um colégio que imitava a real life, essa que me bate na cara todo dia, às vezes até mesmo antes das seis, me cobrando pra arrumar alguma coisa realmente útil pra fazer. 
Nunca fui um aluna exemplar. Sempre fui do grupo dos rebeldes, dos que perdiam a plaqueta e demoravam semanas pra pedir uma nova e que nesse meio tempo se obrigavam a ficar de japona das seis até o meio dia. Matava todas as aulas de educação física e sempre perdia o horário das aulas na biblioteca; conversava na sala de aula, colava em todas as provas, chegava atrasada e me escondia nos armários pra não ir nas formaturas de sexta-feira.
Fiz tudo o que não devia ter feito até o dia em que chegou um bilhetinho avisando que  meu comportamento estava 3,64. É engraçado, os clichês sempre estão certos. Me ver a dois passos de estar fora de tudo aquilo finalmente me fez perceber que era ali onde eu queria ficar. Nos 40 do segundo tempo vi que minha revolta com tudo não ia me levar a lugar melhor algum, só ia me fazer perder o que eu tinha.
E a vida é bem isso mesmo, né? Mudar é sempre bom, mas aproveitar o que você tem nas mãos quase nunca é uma má ideia. Foi uma das lições que eu aprendi nessa instituição que deteve mais de 1/3 da minha vida. Vezenquando me pego lembrando das manhãs torturantes de outubro, calor de centro-oeste brasileiro, um grupamento enorme. Lá na frente o major Affonso, cara alto, que me lembrava meu pai e que me metia medo, esbravejava: "e nem adianta, aluno, se fizer biquinho vai ter dois trabalhos: fazer o biquinho e desfazer o biquinho!".

É, ele sabia mesmo mais da vida do que eu.

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