sábado, 7 de dezembro de 2013

Minha avó era um poço profundo. Um poço escuro. A gente só enxergava a superfície e nunca podia adivinhar o que ia sair ali de dentro. Plácido, imóvel, perfeitamente coerente - embora líquido. A gente nunca passava muito tempo olhando pro poço, porque dava vertigem demais. Não conseguir ver o fundo era qualquer coisa como um pecado. Fazia dela qualquer coisa como uma santa. 
Eu lhe penteava os cabelos, toda manhã. Ela gostava de estar sempre impecável e era preciso que alguém lhe fizesse as tranças. Era mulher de poucas palavras, de existência discreta. Tinha uma cortesia, uma classe, uma boa educação. Parecia mesmo vinda de uma outra época - uma época mais antiga do que talvez a que realmente havia pertencido. 
- Ah… Ele. Ele me ensinou coisas mesmo muito lindas, mas também me ensinou algo imperdoável. Metade de mim morreu depois de ter aprendido isso. 
- E o que foi, avó? Que foi que ele te ensinou? 
- Minha filha, ele me ensinou que não há nada demais no mundo. Nada insubstituível. Ele me ensinou a verdadeira natureza de tudo. Me mostrou que às vezes nosso esforço é mesmo todo em vão. Todinho. Não tem amor pra salvar… - E se desfazia, de repente. O choro brotava feito nascente de rio dos olhos negros dela. - O mundo é cruel feito o homem que matou tua mãe. 
E recaia em seu habitual silêncio. O choro cessava. Nenhuma palavra mais, nenhuma reação. 
Um poço congelado. 
Esse é um desses textos que brotam em mim, vezenquando, à noite, no quarto à meia-luz. Não sei, sinceramente, o que fazer com eles, nem o porquê deles. Só tenho a esperança de que um dia se tornem algo maior - que sejam só um prenúncio.

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