segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Fazer um semestre de "Sociologia Aplicada à Comunicação" foi uma das melhores coisas que já me aconteceram na vida. Aulas sempre belíssimas e fluídas ministradas pela Drª. Débora Pastana, pessoa que hoje tem o meu profundo respeito e admiração intelectual (e que agora que eu sou uma desertora oficial do jornalismo, posso puxar o saco à vontade). 
E são as palavras e as leituras indicadas por ela que me vêm a mente quando de repente me deparo com alguém me avisando que "todas as usuárias do Facebook estão automaticamente vinculadas" à esse novo aplicativo, versão 'feminina' do Lulu, chamado 'Tubby'.
Fiquei sabendo desse tal Lulu, alguns dias atrás, na Globo News. A jornalista que falava sobre ele dizia que um dos colegas 'lá da redação' tinha sido avaliado e estava chateadíssimo. 
Caso você ainda não saiba, o Lulu é algo mais ou menos assim> "O programa permite que as usuárias do Facebook avaliem seus amigos da rede social e outros que não fazem parte dessa lista. A empresa garante que todas essas avaliações são anônimas e ninguém saberá o que você fez no aplicativo (...) Somente quem está cadastrada como sendo do sexo feminino pode fazer as avaliações ".
Na Globo News, a tal jornalista defendeu o aplicativo, dizendo que alguém como ela, que porventura morasse em um país completamente estranho, onde não conhecesse ninguém, poderia se beneficiar sobremaneira de um aplicativo assim, afinal, "como você vai saber se um cara é gente boa?". 
A represália masculina veio logo e promete, "o Tubby têm ênfase no aspecto sexual: em anúncio, o perfil de uma garota era descrito apenas com hashtags sobre sua performance dentro de quatro paredes. O slogan do app é “sua vez de descobrir se ela é boa de cama”."
Li isso e na hora Débora me veio à mente. Lembrei de uma aula em específico. Na ocasião, a gente tinha lido o prólogo do livro do Manuel Castells, "A sociedade em rede". Chegava uma parte em que o texto dizia bem assim: "a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas." Anotei, ao lado disso, uma coisa que ela disse e que me impactou bastante na época, "o que desenvolvemos é aquilo que somos, a tecnologia traduz a sociedade". Essa frase levou a gente a discutir alguma coisa sobre os jogos e desenhos violentos que hoje são dados de presente de natal à nossas crianças. A conclusão a que chegamos é que pouco ou nada adiantaria proibir, abafar, censurar, ou sei lá que outra forma de coerção pode se dar à esse tipo de coisa. Eles são só uma tradução do que somos, do que queremos, do que pensamos. Um espelho. 
Bruna Surfistinha, que esses dias estava aqui em Bauru, opinou com sabedoria: “Acho o aplicativo digno. Os homens avaliam as mulheres entre eles, por que não podemos fazer o mesmo?”.
O Lulu nada mais é que uma rodinha de conversa virtual? Será que essa exposição toda que pode ser dada através dele é tão inocente assim? E isso me leva a uma outra situação a qual um conhecido foi exposto esses dias: uma piada interna com um coleguinha de classe denegrindo um outro qualquer, quando exposta numa página de mais de cinco mil curtidores, será que não perde um pouco do "interno"? Serão as consequências desse alcance todo que podemos ter com o que dizemos, postamos, reblogamos, pela internet algo assim tão facilmente controlável, domável, reversível?
As aulas de sociologia sempre me derrotavam. Depois do êxtase de absorver todas aquelas novidades, o pessimismo sempre tomava conta de mim. Certa vez até me permiti chegar na Débora e fazer uma pergunta um tanto quanto pessoal, "professora, como é que a senhora estuda tudo isso e, sei lá, tem uma vida 'social' normal?". Débora me contou um resumo de um conto do Guimarães Rosa (que é lindo e você pode ler aqui) e terminou dizendo que a sociedade era um ato de fé, que quando ela não acreditasse mais, ia pegar seu barquinho e ir embora.
Débora, quando você for, me chama por favor.

Um comentário:

  1. Oi Ana. Aqui e Debora Pastana. Obrigada por se referir a mim de forma tão carinhosa. Grande beijo para você

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